segunda-feira, 22 de junho de 2009

Episódio 2: A maravilhosa arte de distribuir panfletos.

Recebo uma ligação inesperada no intervalo da aula: um convite para minha primeira experiência de trabalho no exterior. Que maravilha!
Aceito o convite na hora, sem hesitar. Afinal, com toda essa história da crise não dá pra ficar rejeitando trabalho por aqui.
Vou dizer que já ouvi de tudo. Pessoas formadas que trabalham de faxineira, gente que larga negócio no Brasil pra vir trabalhar de garçom e muitas outras coisas desse tipo. Mas que haviam pessoas sujeitas a entregar panfletos eu ainda não tinha ouvido. A questão agora é saber, o que seria exatamente o ato de entregar panfletos? Quando me convidaram, a primeira coisa que pensei foi que eu iria ficar no meio da rua entregando aqueles folhetos que as pessoas jogam fora no próximo lixeiro. Opção errada! Entrei de gaiato na história e quando vi lá estava eu em outra cidade, próxima à Dublin, distribuindo folhetos nas caixinhas de correio de várias casas. Mas essa não é a melhor parte. Mesmo com toda a empolgação de um primeiro dia de trabalho, nada poderia desanimar mais que a bela chuva que caia. Que delícia!
Equipamentos necessários: capa de chuva, mochila com água, um sanduba para o almoço e, obviamente, espaço para carregar 500 folhetos que além de pesados, aumentavam minha fome a cada vez que eu tinha que olhar para as pizzas que estavam neles.
Exercitar o inglês nesse momento não é prioridade porque ali você só encontra brasileiros. Aliás, como disse um dos colegas do grupo, a ordem de prioridade funciona mais o menos assim: banheiro, pizza e só depois o pagamento. Sim, a pizza faz parte do "salário", e podem ter certeza que depois de um longo dia de trabalho, ela virou a melhor pizza que já comi na vida.
Como vocês podem imaginar, o salário não é dos melhores. Dizem até que já pagaram mais para fazer esse tipo de serviço, mas alguém teve a brilhante ideia de diminuir o valor porque existe, a cada dia, mais brasileiros para fazer esse tipo de trabalho. Lei da oferta e da procura colocada em prática. Uhul!
Mas não pensem que estou reclamando não. Afinal de contas tudo tem um lado bom na vida. Além de eu estar ali por vontade própria, conheci pessoas interessantes e no final ainda ganhei uma pizza (acho que já mencionei isso). É que o engraçado de toda a situação é você perceber que está aqui, longe de tudo, sujeito a um tipo de trabalho que jamais faria no seu próprio país e ainda se sentindo feliz por isso!
Experiência de vida? Constrangimento? História para contar para os netos? Eu ficaria com a terceira opção. Não que eu ache que a gente precise passar por perrengues toda hora só pra ter história pra contar. Mas tem coisas na vida que somente vivendo a situação é possível compreender como funciona. Você acha que agora eu vou conseguir tratar mal alguém que vier colocar folhetos na minha caixinha de correio? Muito pelo contrário, agora eu vou até lembrar de prender o cachorro se alguém vier entregar jornal na minha casa.
Divagações à parte, o que importa é que volto para casa feliz com meus 30 euros (que já vão sumir na primeira ida ao mercado), mas que com certeza significaram muito mais que um mero salário mal pago. Afinal, essa foi a primeira vez que fiquei feliz em saber que tudo acaba em pizza!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Episódio 1: Doce tragédias de um início de viagem.

Olho para o microondas. 8:50 da noite. No Brasil, de acordo com o fuso-horário, devem ser 4:50 da tarde, penso eu. Penso porque é a única coisa que me resta fazer nesse apartamento gigantesco onde (por enquanto) resido sozinha. A TV não funciona, não há rádio, nem computador e as pessoas que moram no prédio ainda não conheço bem. A ideia de morar na Irlanda que parecia ser tão divertida começa com pequenas "tragi-comédias" da vida que não seriam tão interessantes se não fossem escritas.
A primeira delas, como já citado, foi a televisão. Sim, exatamente, aquela que desprezamos tanto, é a que mais me faz falta nesse momento tão peculiar da vida.
Aperto todos os botões, verifico a tomada, tento o controle remoto e nada! Ela simplesmente não funciona.
Lamento informar (a mim mesma) que a TV virou um mero detalhe quando tive a brilhante ideia de esquentar água para fazer um "coffee". Afinal de contas, estou sozinha no apartamento, não tenho televisão e (ainda) não tenho vontade de me embebedar.
Tomada a decisão de fazer o café, assim como de costume, coloco água na chaleira e ponho no fogão para esquentar. Começo já a imaginar o gosto do café quentinho na boca. Gostaria mesmo é de sentir o cheiro do café fresquinho saindo do coador, porém, minha imaginação não é forte o suficiente para disfarçar o cheiro de queimado que adentra minhas narinas. Puta que pariu! A chaleira era elétrica. Desligo o fogão correndo, mas o plástico já está todo derretido em cima da chapa. Ora essa, nunca tinha visto na minha vida uma chaleira elétrica. Mas a melhor parte ainda está por vir, olho atrás da porta de entrada do apartamento e logo um simpático bilhetinho que diz o seguinte: "qualquer dano causado nesse apartamento deverá ser cobrado do morador". Não vamos entrar em detalhes quanto ao custo porque preferi esquecer essa parte por alguns instantes.
Isso tudo porque estou contando apenas uma parte do que já me aconteceu. Ainda deixei de lado uma tomada estragada, dois dedos queimados e uma calcinha que serviu de elástico para segurar a pequena alavanca que faz a água do banho sair pelo chuveiro e não pela banheira.
Mas, por outro lado, o que seria desse texto sem todos esses acontecimentos? O que seria de mim sem um papel e uma caneta nesse momento em que não tenho televisão, não tenho computador e para completar, estou longe da família e dos amigos? Não resta mais nada além de pensar e escrever.
Ao final do texto olho novamente para o microondas. Ele continua marcando 8:50 da noite. Que ótima notícia: o relógio do microondas também está estragado.